OS SPAMS TRASHES NÃO ABORRECEM

                              Jorge Luiz Antonio1

Fui honrado com um convite que se tornou um desafio: fazer uma nota introdutória para o cd-rom Spams Trashes do poeta experimental uruguaio Clemente Padin.


Foi gratificante foi contar com a diagramação visual de Regina Célia Pinto2, do Rio de Janeiro, com quem tenho tido a honra e o prazer de fazer muitos trabalhos criativos em conjunto.


O que estamos realizando representa, sem sombra de dúvida, uma arte. Uma arte também de fazer amigos via troca de emails.


A história é interessante: ao acessar o site de Jim Andrews (Canadá) e enviar um email comentando o Vispo.com, recebi um convite para o egroup Webartery, e um espaço nesse site, para apresentar Brazilian Digital Art and Poetry on the Web, em novembro/2000. Foi assim que conheci a obra do Padin, que fazia parte da página de convidados. Durante a participação no Webartery, recebi um email do Reiner Strasser (Alemanha), pedindo para ler a tradução para o português de uma entrevista dele que estava sendo publicada em Arte on Line, revista eletrônica editada por editada por Regina Célia Pinto, Marcelo Frazão e Paulo Villela. No mesmo ano, num curso semestral na Unicamp, conheci La poesia experimental latinoamericana: 1950-2000, obra teórica do poeta uruguaio.


Não é por acaso que os termos web e net são largamente utilizados nos meios eletrônico-digitais como a Internet e a WWW. Além da arte de fazer amigos, mesmo que virtuais por algum tempo, esse contato internético nos leva a trabalhos colaborativos à distância: escrevemos artigos em conjunto, criamos arte que passam a existir porque tivemos a oportunidade de conversar via emails.


Da surpresa e do prazer do convite, ao entrar em contato com Spams Trashes veio a questão intrigante do título. Spam é uma palavra inglesa que significa publicação de um mesmo texto de notícias em vários grupos de discussão, geralmente resultando em desperdício de espaço em disco e largura de banda nos meios de transmissão. Geralmente spam é email de marketing, sempre volumoso, sem nada de interessante, que sempre acaba indo para o trash (lixo) sem ter sido totalmente lido. É semelhante a receber folhetos de propaganda pelo correio. Spamming é o ato de saturar grupos de discussão Usenet, caixas de correio ou outros fóruns on-line com informação indesejável, ao passo que trash é coisa sem valor, refugo.


Fiquei encarregado de revisar a tradução dos spams trashes para o inglês, enquanto Regina Célia Pinto traduziu do espanhol para o português. A troca de informações e os questionamentos foram tão ricos, que o conjunto de emails trocados poderia fazer parte da obra, da mesma forma que Jim Andrews coleciona os emails do Webartery, dando-lhes característica de obra coletiva, sob o título de Webartery Email Correspondence (1999-present).


O cd-rom contém mais de sessenta páginas-web: vinte spams trashes em espanhol, português e inglês, dados biográficos do autor, índice, nota introdutória e créditos.


Spams Trashes se caracteriza pelo circunstancial, pela mudança da função referencial e conativa dos spams para a função poética, utilizando-se do recurso da arte da palavra e da imagem para provocar estranhamento. E vem daí o que há de mais interessante: o lado cômico que se revela de forma inesperada. Padin usa alternadamente ora a palavra, ora a imagem, ou mesmo ambas, para nos dizer que o nosso mundo internético é composto de repetições, mas que igualmente podemos fazer disso um momento de alegria, de galhofa, de reflexão.


Isso se reflete até no momento em que o poeta cria a Padin Producciones Inc. e dá à sua empresa um slogan: para una vida mejor, sin virus y sin attachments. E isso também aparece na maneira como ele "justifica" a criação de sua mais recente obra: "Cansado de recibir tanto Spams no solicitado, decidí hacer algo con ellos".


É preciso ser um grande poeta para olhar para o cotidiano expresso nesses emails e tirar daí uma mensagem poética. Faz-se necessário utilizar os mais diferentes recursos verbais e visuais para descondicionar e romper a barreira entre o referencial e o poético. Outro mérito se situa na questão da capacidade de criar uma linguagem sedutora para o leitor-navegador.


Na verdade, o estranhamento aparece já no título. Spams Trashes? Isso é poesia? Isso é arte?

É nesse clima de criação, reflexão, humor, ironia e desejo de um mundo melhor, que poderemos apreciar, na ordem que quisermos (a obra permite múltiplas entradas e inúmeras leituras), "Los Virus del Nuevo Milenio", "Criando un mundo mejor", "Los nuevos mártires", dentre outros.


Trata-se uma obra refletindo sobre o tempo presente, manifestando-se contra a repetição para provar que ela é necessária para estabelecer o novo, o inusitado, o inefável.

Itu,setembro de 2002.

1. Formado em Letras (Português e Inglês), especialista em Literatura (PUC-SP/COGEAE, 1995-1996), mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP/COS 1996-1999), doutorando no mesmo Programa desde 2000. Autor de Almeida Júnior através dos tempos (1983) e Cores, forma, luz, movimento: a poesia de Cesário Verde (2002, no prelo), professor de Literatura e Redação em escolas particulares de ensinos médio e superior, tem desenvolvido pesquisas interdisciplinares com poesia e pintura, palavra e imagem e poesia digital. Para divulgar a arte e a poesia digital brasileiras, vem elaborando o mapeamento Brazilian Digital Art and Poetry on the Web: http://www.vispo.com/misc/BrazilianDigitalPoetry.htm


2. Pesquisadora, artista visual e professora, natural do Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. Licenciada em Desenho e Plástica na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em História da Arte, área de Antropologia da Arte na EBA, UFRJ. Editora dos quatro números da revista eletrônica Arte on Line, atualmente trabalha com net.art e desenvolve dois projetos nesta área: a Bibliotheca das Maravilhas (http://bibliothecadasmaravilhas.cjb.net) e o internacional Museu do Essencial e do Além Disso (http://www.arteonline.arq.br)


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